A realidade do serviço público brasileiro


Na última semana, O Jornal Nacional, da TV Globo, divulgou um “estudo” do Instituto Millenium para induzir a população a acreditar que, no Brasil, gasta-se muito com os salários do servidores públicos, em detrimento do investimento em áreas como saúde e educação. O ministro da economia, Paulo Guedes, por diversas vezes já se referiu aos funcionários públicos de maneira estereotipada e degradante. Infelizmente, a fórmula de colocar a conta da crise na conta dos trabalhadores públicos também é reproduzida, em alguma medida, a nível estadual pelo governador Rui Costa. Para ajudar a entender a verdadeira situação do funcionalismo público brasileiro, o Fórum das ADs reuniu informações sobre os servidores no país.

Comparação internacional
Os vínculos de trabalho do setor público no Brasil cresceram mais de 80% nas últimas décadas, de cerca de 6,3 milhões em 1995 para 11,5 milhões em 2016, segundo o Atlas do Estado, estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Durante o período de crescimento do funcionalismo público brasileiro, a maior disparada foi nos municípios. Em 21 anos, os vínculos de trabalho dessa esfera passaram de 2,4 milhões (38% do total) para 6,5 milhões (57%).
Mesmo com o avanço, a máquina pública brasileira é menor que a média dos países desenvolvidos. Cerca de 12,1% da população ocupada trabalhava no setor público em 2017, menos do que os 18% de média das nações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e até do que países de tradição liberal como EUA (15,2%) e Reino Unido (16,4%).

O mito dos “supersalários”
Alguns lugares comuns, como de que a máquina pública brasileira é muito grande ou que o servidor em geral ganha supersalários, não se sustentam frente aos dados. O funcionalismo público brasileiro é menor do que o de países desenvolvidos e, na média, servidores ganham 8% mais do que trabalhadores em cargo similar no setor privado. Em um conjunto de 53 países analisados pelo Banco Mundial, esse percentual chega a 21%. Em outras palavras, a cada R$ 100 recebidos por um trabalhador privado, seu par no serviço público brasileiro ganha R$ 108. Na média internacional, a proporção é de R$ 100 para R$ 121.
A situação difere muito entre as instâncias de governo. A cada R$ 100 que um trabalhador privado recebe, o funcionário público municipal que exerce função equivalente ganha os mesmos R$ 100, um funcionário público estadual recebe R$ 116 e um funcionário público federal, R$ 196. Para além da questão salarial que envolve o trabalho público e privado há, ainda do alto grau de precarização do trabalho e do emprego dos direitos no setor privado. Nesse setor se renovam as novas modalidades de contrato e do declínio da oferta de empregos típicos/permanentes, como uma das consequências mais visíveis da flexibilização do mercado de trabalho.

A desigualdade dos salários entre os três poderes
Em 2018, metade dos funcionários públicos ganhava até 3 salários mínimos (R$ 2,9 mil, considerando o valor do mínimo naquele ano). Apenas 3% ganhava mais do que 20 salários mínimos (R$ 19,1 mil). Há muita disparidade salarial entre os poderes da República. No Executivo, onde trabalham professores, médicos, policiais, cerca de 25% dos funcionários públicos ganham mais de R$ 5 mil. No Legislativo, que engloba vereadores, deputados, senadores e seus funcionários, mais de 35% recebe mais de R$ 5 mil. No Judiciário, onde atuam juízes, promotores, funcionários de fórum, mais de 85% ganham acima de R$ 5 mil. 

O peso da saúde e educação no serviço público
O investimento no serviço público, em alguma medida, é também investimento na saúde e educação. O Brasil tem 11,4 milhões de postos de trabalho no setor público. A cada 100 servidores, 22 são professores e 2 trabalham em outras áreas da educação, 16 são administradores, 11 são médicos, enfermeiros ou outras profissões da saúde, 5 fazem limpeza e 4 prestam serviços de segurança. Apenas no nível municipal, há 2,6 milhões de postos de trabalho na educação e na saúde – mais que o dobro do número de funcionários públicos federais, de todas as áreas.

Mulheres são maioria e ganham menos
As mulheres são maioria entre os funcionários públicos. Enquanto no mercado em geral ocupam 4 de cada 10 vagas, no serviço público estão em 6 de cada 10 postos de trabalho. Mas ganham menos. A cada R$ 100 recebidos por funcionários públicos homens, as funcionárias públicas mulheres ganham R$ 75. A disparidade salarial também resulta do fato de mulheres ocuparem cargos que pagam menos.
Essa distorção aumenta entre funcionários que ocupam cargos de confiança (e, portanto, não são concursados). Até 2017, as mulheres representavam apenas 16,67% dos cargos DAS-6, nível mais alto e que têm os maiores salários entre os cargos de confiança.

O cenário do funcionalismo público baiano
Segundo a Federação dos Trabalhadores Públicos do Estado (Fetrab), de que cerca de 30 mil servidores públicos baianos recebem vencimento básico abaixo do salário mínimo. Essa é uma realidade que ocorre, inclusive dentro das Universidades Estaduais Baianas. Para o Fórum das ADs, a defesa do serviço público, e portanto também dos trabalhadores públicos, é fundamental. “Precisamos entender o porquê desta campanha contra os servidores. No fundo essa disputa de narrativa tem a ver com a Reforma Administrativa, que vai significar ampliação ao máximo possível o saque do capital privado ao fundo público. E isso passa necessariamente pelo desmonte e privatização dos serviços públicos, que vai desde a vontade desmantelar e privatizar até ao fato de aniquilar uma das poucas categorias que resistem”, demarcou Arturo Samana, coordenador do Fórum das ADs.

Fontes: Revista Piauí; Atlas do Estado Brasileiro, IpeaGestão de pessoas e folha de pagamentos no setor público brasileiro, Banco Mundial; Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2018, Fetrab.